segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Sacrifício



"...É necessário o sacrifício  - disse Gurdjieff. - Se nada é sacrificado, nada pode ser obtido. E é indispensável sacrificar o que lhe é precioso no próprio momento; sacrificar muito e sacrificar durante longo tempo. Não para sempre entretanto ..." (Em Busca do Milagroso - pg 49. P. O.)
Em nosso caso devemos fazer pequenos sacrifícios, os mais simples possíveis. Por Exemplo: Num determinado momento percebo uma emoção negativa, já sei que ela não trará nada de bom para mim, nem no momento nem depois. Chegou a hora do sacrifício. Devemos dar um passo atrás de nossas emoções, relaxar o corpo e não deixá-la em hipótese alguma ela se manifestar. Sacrificamos até a própria "razão", por mais certos que possamos estar naquele momento, somente teremos razão se formos donos de nossas atitudes, nesse sacrifício eliminamos a vaidade e o orgulho , sem se importar com o resultado de nossa "covardia". Pois a maioria das pessoas acham que coragem é perder o controle sobre si mesmo.
Uma outra força que nos rouba energia são as fantasias interiores. Devemos sacrificá-las também. Aquilo que julgamos ser nossos pensamentos e decisões não são mais do que acontecimentos aleatórios, completamente fora de nosso controle. Se num momento acho que devo falar alguma "verdade" para uma pessoa ou simplesmente tomar alguma atitude, devemos sacrificar essas manifestações e por trás apenas observá-las, nada mais. Tudo vai passar ; a gente gritando ou ficando quieto. tudo passa, então devemos aceitar esse fato e dentro de nós mesmos humildemente se calar e procurar através da observação de si, entender o que está acontecendo.Estamos sacrificando nossas próprias fraquezas.
Até agora só abordamos sacrifícios interiores, mas também existem os exteriores. Vamos dizer que determinada pessoa diz que faz qualquer coisa para acordar e quer ser um dia um guerreiro ou uma bruxa."- Fale mestre! Que eu te sigo e faço qualquer coisa!". Nada é mais falso, pois aqueles "Eus" que decidiram, daqui a uns instantes já não estarão presentes e os "Eus" do choppinho, Kaya, festas e etc se apresentam e dominam a situação. A pessoa que não tinha dinheiro nem para pegar um ônibus, bebe várias cervejas, fuma Kaya, vai a festas e tudo consegue para satisfazer suas fraquezas. Nem o sono a pessoa deseja sacrificar, olha para o relógio e pensa: "Vou dormir mais um pouco. Hoje estou cansado e muito mal. "E lá se vai o dia com a pessoa se espreguiçando na cama. Esperando o tempo passar e a morte chegar nos braços de Morfeu. Não quis sacrificar a preguiça, pois a trata com carinho e zelo.
Também pode nos acontecer de termos que tomar uma decisão onde teremos que  sacrificar um serviço , ou uma profissão, onde teremos que escolher continuar nos Trabalho de Gurdjieff ou seguir a vida. No nosso interior já sabemos o que queremos, mas como gostamos de nos enganar, o que falamos não é a verdade, quando aparece uma oportunidade por exemplo, um emprego, marido, viagem, passeios, aniversários, enterros, etc...Qualquer coisa "boa" já é o suficiente para a pessoa faltar as reuniões , domingueiras, etc... No nosso caminho encontramos vários obstáculos e para sermos dignos de pertencer a uma Escola, devemos saber o que queremos, caso contrário somos exatamente iguais a qualquer pessoa, estamos apenas a espera de alguma oportunidade para sermos levados pelo Rio da Vida, pela correnteza das atrações do mundo em que vivemos. Nas outras Escolas (Monge, Faquir e Yogue), exige-se também sacrifícios. Ou você vive no mundo comum ou escolhe o Caminho da Evolução e da imortalidade. Tanto um como o outro exige-se um sacrifício. Nós estamos a todo momento nos sacrificando.
Digamos que uma pessoa que esteja no Trabalho de Gurdjieff tenha a oportunidade de alcançar algo que sempre quis na realidade, desde um casamento feliz, filho, projeção em algum tipo de serviço com dinheiro e fama. Essa pessoa tem que sacrificar sua imortalidade na Terra e o seu domínio sobre si mesmo, a pessoa está sacrificando a sua consciência e a visão de outras realidades, que lhe trarão um poder permanente. As duas decisões são incertas. Se escolhermos a vida mundana, podemos pegar uma doença, ser atropelados, ou não dar certo o que achamos ser certo. O tempo passou, nada fizemos para nós mesmos e vamos tentar novamente, sempre na fantasia de que depois voltaremos para o Trabalho de Gurdjieff. Isto é uma falsidade, é uma mentira que alimentamos para nos enganarmos, pois nós somos o que fazemos e não o que pensamos fazer um dia.
No caso de uma pessoa permanecer nos Trabalhos de Gurdjieff, também pode estar se enganando. Ela pode estar vindo as reuniões, movimentos, etc... e não estar fazendo exercício algum. O tempo vai passar e a pessoa não vai conseguir quase nada de estável e duradouro; a única coisa que a coloca um pouco melhor do que as outras pessoas comuns são os movimentos e MOKUSO.
Os sacrifícios em geral dão um resultado e traz algo palpável e melhor do que aquilo que a pessoa pode ter perdido, o Trabalho de Gurdjieff. Dão em troca de qualquer sacrifício sincero um poder interior que faz a pessoa atrair outras oportunidades de maior  vulto e aí a pessoa pode escolher com domínio da situação e ser dono de seu próprio destino. Neste ponto quando isso chega , alguma coisa também aparece que é a consciência e a compreensão trazendo junto com ela a indiferença por aquilo que não seja o Trabalho. A pessoa passa a escolher o que quer e não esperar oportunidade.
Nós do 4 Caminho estamos na vida mundana sem contudo sermos levados por ela. Participamos de tudo o que for possível e lutamos para melhorar nossa situação de profissão e estabilidade social, mas no momento que tivermos que escolher entre um e outro, sabemos o que se mais tem valor em nossa caminhada., se é a vida ou a evolução de nosso ser como um todo.
Há realmente dois rios.  Um nos leva aos prazeres de festas, comilanças, risos, viagens, famílias, etc... e uma velhice, esquecido num canto como um entulho da sociedade, preocupado com os netos, ou em qual asilo ficaremos com nossa carcaça velha e cheia de doenças e fraquezas. O outro rio é o do sacrifício e trabalho durante anos a fio que nos traz o equilíbrio e o início d uma caminhada após o abandono dessa carcaça que nos ajudou a chegar por limites acima de nossa atual compreensão, em mundos onde nossas limitações esbarram no incompreensível e ficamos extasiados de apenas observarmos o que existe e está à nossa disposição. A compreensão de que o homem não veio para servir as suas próprias fraquezas, mas para uma existência onde os limites não sabemos onde ficam, sem contudo não termos que sacrificar nada do que seja bom da vida comum, apenas nossas fraquezas e nossos sonhos para sermos um homem de verdade e seguirmos nosso real destino em busca do incomensurável, da imortalidade,  na direção daquele que nos criou.
(22/11/00)