quarta-feira, 18 de junho de 2014

SER ÚTIL



Num grupo há três formas de ser útil para o grupo existir por um tempo desejável até alcançar a sua meta.
Primeiramente as pessoas do grupo devem ser úteis a elas mesmas. Aceitando que sua atual condição não é boa, nem desejável, e que a maneira que estão vivendo pode mudar. Em outras palavras: que seu nível de consciência pode melhorar. Se alguém entra no grupo de Trabalho de Gurdjieff achando que o que sabe é certo ou suficiente, não está querendo mudar nada em si. Com sua condição interior está satisfeita. Caso contrário, se a pessoa acha que nada sabe a respeito de si mesma, se não está satisfeita com suas distrações, tensões, nervosismos, ideias pessoais... e que tudo isso pode mudar, então essa pessoa tem chances de trabalhar sobre si mesma. Esta pessoa é útil tanto para o grupo como para a vida comum. Nessa situação, os exercícios que se passam para ela são executados e seu interesse pode ser observado pelo esforço que esta pessoa faz sobre si mesma.
A segunda forma de utilidade no Trabalho é a utilidade que a pessoa pode ter para o dirigente do grupo. A pessoa pode não fazer um esforço para mudar a si mesma, mas faz tudo para que o grupo continue a existir e para isso serve ao dirigente, que é responsável pelo grupo. O trabalho dessa pessoa com o tempo passará a ser para si mesma, pois ela passou a trabalhar na segunda linha de trabalho, que é para os outros, antes de trabalhar para si.
O terceiro tipo de pessoa não é útil para o grupo e inicialmente pode até parecer útil e dedicada, mas na realidade a pessoa somente quer algo da vida material e nada de mudança interior. A mudança que a pessoa procura é externa, aparente, e quando ela alcança o que quer como carro, casamento, namorado, dinheiro, deixa de pertencer ao grupo. 
Como somos vários eus em diversas situações, devemos sempre observar qual é o direcionamento que damos a nossa conduta interna para uma mudança em nossa consciência. Todos devem fazer algo para que o grupo exista. Cada tarefa deve ser executada, não por obrigação ou dever, como é feito na vida fora do trabalho de Gurdjieff. Digamos que uma pessoa tenha sido designada para datilografar um texto e outra para distribuir esses textos depois de datilografados. Na vida comum o texto somente será distribuído se o datilógrafo fizer primeiro. Aqui, no nosso grupo, não se deve fazer isso. Se o datilógrafo não fizer sua função, aquele que terá que distribuir, terá que ver e fazer o trabalho do outro, pois ele não está trabalhando para o outro e sim para si mesmo e para o grupo. 
Podem ainda haver outras situações. A pessoa designada para datilografar não faz nada, a que tem que distribuir fica esperando e também não faz nada. Uma terceira olha e fala mal dizendo que nenhum deles quer nada com suas obrigações e o quarto que nada tem a ver com isso pega, datilografa e distribui. Este está no Trabalho, os outros três são apenas comuns e não percebem a meta do grupo e nem o seu próprio objetivo no Trabalho. Uma outra coisa também pode acontecer: nenhuma pessoa do grupo se interessa pelo que o dirigente do grupo determinou a fazer. O dirigente então pode datilografar, distribuir e etc... Isto quer dizer que o nível do grupo é baixo, são iniciantes e nem estão na primeira linha de trabalho que é sobre si mesmos.
Fora do Trabalho, os dirigentes têm que exigir que seus subordinados façam seus gostos para que ele alcance seu objetivo e sua meta. Aqui entre nós é totalmente diferente. Os objetivos de cada participante devem ajudar o dirigente a alcançar a sua própria meta, que deve ser evoluir, acordar. Se os participantes evoluírem juntos acompanharão o dirigente através dos anos, caso contrário serão usados e descartados para dar treinamento e conhecimento para o dirigente transmitir para quem realmente se interessa pelo Trabalho.
Em outras palavras, ou o grupo evolui na consciência e nos atos juntos, ou é apenas usado para  quem se interessar em aprender com os erros daqueles que não se esforçaram. Num grupo de Gurdjieff, tudo é útil.  Tanto os que fazem esforço como os que são usados pelos outros. A escolha é pessoal e interior. É como o exemplo da árvore, é necessário haver raiz, caule, folhas, para que haja frutos. A raiz são aqueles que trabalham para o grupo sem aparecer, o caule são os que sustentam o grupo com dinheiro, casa, local, etc. As folhas são aqueles que entram no grupo e saem em seguida por qualquer motivo e o fruto é a meta que se está alcançando com o esforço pessoal de cada um. 
Num grupo de Trabalho não deve haver exigência de atitude, cada um deve ser útil para si mesmo e quanto maior a compreensão mais útil é a pessoa para o grupo. Não devemos nos esquecer disso. A cada momento de observação de si, devemos ver o que representamos para o grupo e o que estamos fazendo para nós mesmos. Que valor tem o Trabalho nesses dois contextos. Minha evolução e a necessidade de existência do grupo. 
A disponibilidade é o nível de consciência que está ligado ao destino de cada um. A pessoa muitas vezes acha que não faz algo pelo grupo, porque ela não quer. Isso é um erro, pois nessa situação é exatamente o contrário. A pessoa não faz porque não consegue, sua capacidade de execução de uma tarefa é limitada pelos seus desejos de auto-agradecimento e reconhecimento exterior, tudo acontece para essa pessoa. Nada vem de si mesmo mas ela se ilude achando que não faz porque não quer, ou não deve, e assim passamos a vida nos iludindo achando que estamos acordados, sem percebermos o tanto que ainda falta para acordar.

(18/10/2000) 

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